POEMAS SEM TERRA

Estes 19 poemas e a história em versos de João e Maria Flor pretendem ser uma homenagem aos 19 trabalhadores rurais em terra que foram barbaramente assassinados pela Policia Militar, em
Eldorado dos Carajás, no estado de Pará, em 17 de abril de 1996.  
Carlos Pronzato
cineasta documentarista/poeta
cidade da Bahia, Brasil

POEMA 1

 

Reforma Agrária

É palavra

Que dói na alma

Que grita na calma

De quem

Não se levanta

Reforma Agrária

É bandeira

Que clama

Revolta

E apenas reclama

“na lei ou na marra”

Com uma palavra:

Terra!

POEMA 2

 

As cercas

Crescem com o dia

Demarcam

A imensidão

Do latifúndio

E calam

O murmúrio

Das sementes

Nas madrugadas

O camponês

Arma o coração

Da derrubada

O arame farpado

Não deterá jamais

O grito

Da aurora

Ocupada!

POEMA 3

 

Quem te dará

A terra

Se não forem

Tuas mãos?

Quem te dará

A terra

Se não forem

Teus braços?

Quem te dará

A terra

Se não fores tu

Trabalhador do campo

Que semeias

Com suor

E sangue

O silêncio

Que geme na terra

O teu canto?

Quem?

POEMA 4

 

Teus pés

Tocaram

A terra ensangüentada

Teu coração

Decidiu

Tomar as armas

Tua cabeça

Ajusta

O alvo.

POEMA 5

 

Oh Liberdade!

Espalha no sereno

As armas

Da ocupação

Somos cúmplices

Das flores

Abre a facão

Uma clareira

No tenebroso

Latifúndio

Somos cúmplices

Dos pássaros

Assobia para nós

Aquele cântico

Infinito dos rebeldes

Somos cúmplices

Do vento

Oh Liberdade!

O teu coração

Tem o cheiro

Da terra

Do outro lado

Da cerca.

POEMA 6

 

A lua ilumina

A extensão

Do latifúndio

A terra encarcerada

Chama seus guerreiros

Aguarda noturna

Seus filhos

De punhos erguidos

Seu grávido silencio

Cresce

No grito

Que nascerá amanhã

Infinito

A terra cultivada

É um sulco

Na memória

Recorda ao Homem

Seu estado continuo

De semente

Seu instante

Seu fim

E o seu principio.

POEMA 7

 

Escorre a terra bruta

Entre os dedos rudes

Do camponês/artista

Deslizam

As sementes

Soprando vida

No antigo latifúndio

Improdutivo

Como o escultor

Seu bloco de pedra

Suas mãos fecundam

O relevo da terra

Tornam a matéria

A arte milagrosa

Do alimento

Esse pedaço

De pedra

De terra

Em breve

Será pão

Será sustento

Escultura

Da terra lapidada

A partir de uma semente.

POEMA 8

 

Fileiras de eucaliptos

Asfixiam o horizonte

Os tanques

Das multinacionais

Esmagam a natureza

Com a indústria

Da celulose

A tarde espalha

Seu cântico de resistência

No som agudo e afiado

Dos facões

Fileiras de sem terras

Enfrentam

A invasão

Das empresas escandinavas

intifada camponesa

Resiste

Á machadadas.

POEMA 9

 

As mãos

Afundam seu suor

Na terra

A semente

Pergunta:

“Aonde estão

As outras mãos

Tantas mãos

Que querem

Plantar?”

“Presas

Nas correntes do latifúndio”

Respondem

As mãos

Que podem

Plantar

“E essas correntes

São tão indestrutíveis

Que milhões de trabalhadores

Não as podem quebrar?”

Disse a semente

Antes de mergulhar

Definitivamente

A resposta

Foi um eco de silencio

Que perdura…

E a semente

Desde o fundo

Da terra

Ainda pergunta:

“Até quando?”.

POEMA 10

 

O camponês

Como o pescador

Lança sua mão

Armada

De enxada

E chão

Recolhe

Seu sustento

Até onde o latifúndio

Impõe

Seu horizonte

De desolação

E fome

O camponês

Aguarda

Sua úmida lagrima

Molhará

A semente

Da Reforma Agrária.

POEMA 11

 

Para encontrar

Tua imagem

Segue o vento

O rumo das estrelas

Camponesas

Ela irrompe

No sereno

Derramando as luzes

Da manhã

Vêem dos ossos

Daqueles que tombaram

Na luta

Pela Reforma Agrária

Para encontrar

Tua imagem

Segue o rasto

Da chuva

No horizonte

Ela reflete

No sulco

Que deixam

As enxadas

Para encontrar

Tua imagem

Respira fundo

A umidade da terra

Molhada.

POEMA 12

 

Terra

Aguda flor

Em infinito parto

Mestiça e nômade

Pólen que alimenta

Seu ventre

Sempre aguarda

Uma semente

A terra

É como um berço

Seu embalo

É o sopro

Do universo.

POEMA 13

Ocupação

Não rima com

Latifúndio

Cooperativas

Não rimam

Com exploração

Reforma Agrária

Não rima com

Herança escravocrata

Camponês

Não rima com

Usineiro

Liberdade

Não rima com

Opressão

Sem terras

Só rimam

Sem cercas.

POEMA 14

Nos campos devastados

Pelo lucro transgênico

transnacional

Mãos sem terra

Plantam o mastro

Com a bandeira

Do MST

Nos olhos

Camponeses

Refletem as lagrimas

Da terra liberada

Tremula o coração

No vento matinal

O arame farpado

Ficou no chão

Por cima

Passaram as mãos

Com sementes naturais

Por cima

Passaram os pés

Da Liberdade!

POEMA 15

Mulher camponesa

Desata a alegria

Do teu ventre

Que o teu silencio grite

E espalhe sua semente!

Ocupa o ar

Com teu boné vermelho

E marcha

Sobre as terras

Que invadiu o latifúndio!

Não há maior vitoria

Que dar a luz

Do outro lado

Da cerca derrubada

À luz das terras

Recuperadas!

POEMA 16

 

Na lona preta

Caiu uma estrela

Fugaz e repentina

Como o sono

Dos camponeses

Que aguardavam

Para ocupar

Uma fazenda improdutiva

Na escura madrugada

Sua luz amiga

Iluminou

O caminho

Da tranqueira derrubada

Depois partiu

Deixou a sua marca

POEMA 17

Abertas

Na imensidão dos campos

Feridas

E mortes

Sem terra e sem justiça

Como o sangue

Derramando

Do vermelho das bandeiras

Marcas indeléveis

Nas estradas

Ocupadas pelas marchas

Esparzidas como apelos

Para a luta

Gritam

Desde os olhos

Camponeses desarmados

Detidos nos jagunços

Que disparam

O sangrento latifúndio

Gritam

Seu grito desgarrado

A espera do eco

Da memória

E da justiça restituída.

POEMA 18

Em ordenado silencio

A marcha camponesa

Avança

No calor do asfalto

Com o barulho do sangue

Reclamando nas veias

Com o sonho da terra

Incrustado na alma

São milhões

Os que querem

Plantar feijão

São poucos

Os que cultivam camarão

Os pés

Marcam no chão

O compasso

Da terra rebelada

O coração é o vento

Que inflama

Essa bandeira

São milhões

Os que sofrem

Debaixo de uma lona

São poucos

Os que vivem numa boa

As fileiras resguardam

O rumo certo

De um destino

Construído

Não está longe

O amanhecer

Definitivo.


Poema 19

Estarão todos

Com sua própria historia

Nas mãos

Quando parir o pranto

Da última

Ocupação

Todos cantarão o hino

Sob o Cruzeiro do Sul

E alguma lágrima

Cairá no chão

Os pássaros

Estarão atentos

Para empreender seu vôo

E o vento

Soprará bem lento

Na bandeira

Do casal com o facão

Será um amanhecer

Inaugurado

Por um longo poema

Com muita terra

Nas mãos!

Carlos Pronzato

Salvador, Bahia de Todos os Santos, 2006/2008

 

Retornar para Carlos Prozato
Retornar para Fragmentos Poéticos

Retornar para Fragmentos Ativos


Deixe um comentário